Texto e fotografia:
Pedro Correia
Nos finais da década de
90, quando acedia pela primeira vez ao mundo através do ecrã de computador, a
minha afición moveu-me para ver toiros por outras paragens. Uma imagem de um
bezerro bravo no momento da ferra, alojada no site da conceituada Unión de Criadores de Toros de Lidia, e se
não estou errado, da autoria de Carlos Núñez, despertou o meu interesse e ficou
registada na memória. Quando iniciei este obi de fotografia, aproveitei para
nas oportunidades de captar imagens de ferras, tentar reproduzir o mesmo
momento, mas desta vez, recriado por mim.
Num disparo, uma imagem
intensa, de brutalidade e poder que vale por mais de mil palavras.
Opiniões divergem
quanto aos atos dolorosos efetuados sobre o toiro. O exemplo prático da ferra,
em que alguns podem entender como um horror ou falta de sensibilidade de quem
pratica. Outros, os que a praticam, sentem a dor, olhando a glória futura de
autênticos Homens e bovinos gladiadores sobre as arenas. Uma parte de um rito que vai para além da compreensão
da utilidade desta prática, enquanto tipo de identificação animal essencial nos
sistemas de produção peculiares das ganadarias bravas.
Independentemente, de
opiniões ou filosofias de vida, o bovino está inserido em rituais milenares,
enraizados por todo o mundo (inclusive em países onde não se praticam corridas
de toiros com frequência) que partem de necessidades tão básicas do Homem, como
simplesmente a de se alimentar.
Influenciada pela necessidade
alimentar, poderá estar a seleção da própria espécie humana, em que no ato das
caçadas aos auroques selvagens (bovinos primitivos), os homens mais valentes,
provavelmente seriam os preferidos pelas mulheres como parceiros, por serem
considerados o “individuo mais forte”. Ou seja, uma mais-valia na defesa do individuo
feminino, e por sua vez, na contribuição
para a sobrevivência da espécie.
Depois, a adaptação da
vida nómada à sedentarização, o desenvolvimento da agricultura e a domesticação
animal, onde o individuo masculino volta a atuar fortemente sobre o trabalho
pesado de domar e selecionar os animais para fins produtivos, para dai tirar o
seu alimento. Toda esta conjuntura associada à mitologia, religiões e formas de
encarar a própria vida, formou uma autêntica “salada russa” para desembocar nas
culturas onde o bovino está inserido, tais como jogos taurinos que deram origem
à corrida de toiros atual, ou até formas de tauromaquia popular como é a
tourada à corda na ilha Terceira e já espalhada por outras ilhas do arquipélago
dos Açores.
Desenvolvidas as técnicas da agricultura, cresce toda uma diversidade criada pelo Homem, como é exemplo um grande número de raças. Das raças de bovinos existentes atualmente, nenhuma
delas transporta consigo o legado ancestral que tem a Brava de Lide (toiro de
lide, ou toiro bravo) derivado ao confronto que se produz na corrida de toiros
entre homem e bovino. O remontar às origens da humanidade entre a sorte, azar,
realidade de viver ou morrer, criando arte através do toureio, é uma evolução cultural
de grande magnitude e com todos os argumentos para ser defendida e definida
como cultura universal e património imaterial da humanidade.
Outro aspeto não menos
importante, é a criação de um animal como o toiro bravo, que transporta
consigo uma carga imensa de valores, cujo seu criador “Homem” evaca-os como exemplos a seguir, mas muitas vezes não os consegue colocar em prática. A dignificação do toiro, por parte do seu criador e
predador “Homem”, durante e após a sua vida, é um ato real e culto total ao
animal que na cadeia alimentar humana é presa. Destaque para os indultos, onde
se oferece a vida a uma presa, ato misericordioso que jamais qualquer outro
grande predador faria na natureza.
Esta imagem, o momento
da colocação dos ferros durante a faina de campo, a ferra, é portanto, um ponto
crucial de toda esta história, ou História, como preferirem. É a partir deste
ponto que esta rês ganhou uma identidade, para que um dia seja recordada na
sociedade humana como um toiro que encheu a memória e coração de milhares de pessoas.
Por tudo isto, a ferra é um ponto no rumo à glória de duas espécies tão magníficas
e singulares, como o Homem e o Bovino na figura do Toiro Bravo de Lide.
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