Texto:
André Cunha
Fotografia:
Edgar Vieira
Do lado de cá, Olivença de
Portugal, do lado de lá, Olivenza dos espanholitos. No território, o Guadiana
serve de fronteira, do raio de uma Raia que teimava em ser protagonista de
guerras civis. Não são terras distintas, a diferença está num simples Ç ou num
Z. Afinal é de quem?
Olivença anda na boca do
mundo taurino, recebe a primeira feira importante da temporada. Ao longo de
três ou quatro dias é epicentro tauromáquico, e como romeiros na quaresma,
aficionados ibéricos fazem questão de marcar presença e assistir às faenas dos
“Ronaldos” e “Messis” dos toiros, um certame que prima pela qualidade das suas
figuras (top 10), e que faz gerar receitas na ordem dos cinco milhões de euros
naquela zona e arredores. Cinco milhões!
“Salta pá carrinha! Vamos embora!”. Estava
pronto, assim começava a longa mas descontraída viajem para o meu debute, pelo
Ribatejo e terras do Alto-Alentejo, regiões e cidades que respiram bravura, desfrutando
de toda a cultura taurina existente a cada esquina, o imenso planalto que este
país oferece, a distinta gastronomia e o afável acolhimento. “Oh Elvas Oh
Elvas, Badajoz à vista”. Assim trauteava Paco, e com razão, afinal é aqui tão
perto… e de Badajoz a Olivença, é um rufe.
Ei-la, cidade antiga,
estreitas ruelas com casas pouco volumosas, estilo rural e caiadas a branco. O
ambiente é de festa, levando o frio para um plano insignificante. Ouve-se
Flamenco, os bares e “las calles” tomam vida, ou melhor, não dormem durante
aquele fim-de-semana repleto de animação, juvenilidade, gente gira, afición.
“Vive la vida loca!”. Queijos e enchidos sobre mesas improvisadas em caixas de
carrinha. Comida? Aos quilos! Vinho e cerveja? Aos litros! Marcante.
No exterior da praça é
assim, lá dentro, a arquitectura não esconde a sua antiguidade, centenária.
Quase centenários são também uma grande porção dos velhotes que entram em
praça, e no olhar de cada um, a vontade de sair dali saciado. Na barreira, uma
perna de presunto e alheiras também assistem à corrida. Aos poucos a bancada
gélida e despida vai tomando forma, envolta numa neblina dos malogrados charutos.
De um momento para o outro, só os olhos têm liberdade de movimento, e sigo à
risca o conselho de gente experiente nestas andanças: nunca ser o último a
sentar! Ao toque da banda de música, o almejado momento, entram os artistas,
entram os toiros. Há toureiros, toiros e lides para todos os gostos, lenços
brancos acenados vezes sem conta, sinal que o trofeu está a caminho. Cantadores
espontâneos que emergem da multidão, treinadores de bancada. Alguém afirma: “-
Não à festa sem toiro!”. Orelhas com fartura e um desejado indulto deixam-me concretizado.
Hoje sei porque existem aficionados que vão a Olivença à 14 anos consecutivos. Não
trouxe caramelos, mas trago na lembrança uns dias bem passados na companhia de
boa gente, e sobretudo, a vontade de lá voltar.
Termino
com esta passagem de uma companheira de viajem: “Aquele silêncio total e
absoluto, em que apenas os olés vibrantes rasgam a emoção que nos corre nas
veias e a alegria de podermos pestanejar e sentir que ali estamos! Somos
aficionados, olé!”
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